Apelo ao debate dos temas que valem a pena no Bloco de Esquerda

21-04-2024


Após sucessivas Convenções, dentro e fora da moção maioritária do Bloco de Esquerda, ao
grupo de militantes da plataforma RADAR (Rede de Ativistas para Debate, Ação e Reflexão)
impõe-se um balanço. Não basta fazer correções marginais naquilo que fomos fazendo ao
longo de 25 anos. O Bloco precisa de se repensar a todos os níveis. A evolução da situação
política e a experiência em diferentes órgãos de direção revelou-nos uma organização com
problemas estruturais e uma crise de perspetivas. Há controvérsia acerca da forma de gerar
unidade nos trabalhadores e de lidar com o PS, e outras se adicionaram relacionadas com a
lógica de intervenção nos diferentes movimentos sociais. Subsistem equívocos quanto à
natureza do Bloco de Esquerda como partido/movimento, muitas vezes confundidos com as
limitações ao exercício da democracia interna. Tudo isto se tornou mais visível perante a
viragem à direita das eleições legislativas e face às dificuldades acrescidas do Bloco de
Esquerda. Não basta o instinto de sobrevivência, é tempo de refletir sobre estes e outros
temas, ajudar o Bloco a definir o melhor caminho para ser um partido de massas.

A QUESTÃO DO SECRETARIADO DA COMISSÃO POLÍTICA
Apesar de, formalmente, o secretariado ser um instrumento executivo da Comissão Política, na
prática é ele quem determina toda a dinâmica do funcionamento interno e da prestação
pública do Bloco de Esquerda. Dessa forma tornou-se o centro do poder efetivo na nossa
organização, com traços de jacobinismo e de sobreposição em relação a todos os órgãos
eleitos pelos aderentes. Para além de antidemocrática, esta prática política empobrece o Bloco
de Esquerda, porque lhe retira a componente da contribuição coletiva na decisão e na ação
fazendo dos aderentes meros auxiliares de um centro todo-poderoso.

BLOCO PARTIDO/MOVIMENTO, PARTIDO OU MOVIMENTO?
Um movimento tira partido da agregação de causas e da descentralização nas tomadas de
decisão e na forma de organização. Um partido vive mais da representatividade política de
maiorias legitimadas por documentos de orientação aprofundados e por respostas políticas
concentradas em órgãos com mandatos estritos. O Bloco cultiva virtudes e defeitos destas
duas possibilidades, mas pratica um modelo hipercentralizado no secretariado da Comissão
Política, que nada tem a ver com um movimento. Melhor seria abandonar a ideia de
movimento e reforçar a legitimação política dos órgãos eleitos.

MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTA ANTICAPITALISTA
Um partido/movimento é um somatório de causas que abdica de incorporar no seu programa
os objetivos do programa "máximo". Sem o partido de massas orientado para o derrube do
capitalismo e para uma sociedade nova onde os trabalhadores controlem coletivamente os
grandes meios de produção e o poder não há luta anticapitalista. No entanto, o partido de
massas deve envolver-se em todos os processos de luta das camadas e grupos sociais
oprimidos oferecendo-lhes as verdadeiras soluções para os seus problemas. O programa do
partido deve assegurar a aliança revolucionária de todos os oprimidos pelo capitalismo.

QUEM É O "SUJEITO HISTÓRICO" PARA A GRANDE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL?
Os movimentos sociais interclassistas afrontam discriminações de que o sistema capitalista se
serve para manter a sua dominação. Neste sentido, estes movimentos têm potencial
anticapitalista e devem ser apoiados, até por que ajudam a alargar a frente de massas de
contestação ao sistema. Porém, o partido/movimento somatório de causas acaba por
secundarizar a luta de classes se não identificar o papel dirigente do proletariado, a única
classe com capacidade para elaborar um projeto socialista para o conjunto da sociedade. E
corre o risco de ter uma agenda de intervenção dirigida apenas para uma vanguarda social
restrita, bem longe da mobilização de massas que a luta anticapitalista exige.

PARTIDO DE MASSAS E A QUESTÃO DO PS
O partido/movimento, somatório de todas as causas, tende a subalternizar a intervenção no
movimento organizado dos trabalhadores. Desde logo no movimento sindical, desbaratando a
possibilidade de construção de uma corrente sindical com ativistas e direções sindicais
autónomas face ao PCP e ao PS, úteis para mobilizações radicais. Mas, também, desprezando
uma política de massas dirigida à conquista de influência nas bases do PS, como se viu na
forma como foi conduzida a oposição ao governo cessante de António Costa, baseada na
concorrência com a direita e a extrema-direita em termos de intensidade oposicionista. Esta
orientação foi um caminho aberto para o isolamento, só apreciado por segmentos de uma
vanguarda social restrita, perdendo-se capacidade de atração de camadas da base do PS.

AUTÁRQUICAS E DÉFICE DE IMPLANTAÇÃO LOCAL
A desproporção de resultados entre eleições legislativas e autárquicas revela a nossa falta de
implantação local. Nas legislativas este défice é disfarçado por uma presença profissional nos
media e nas redes sociais, nas autárquicas, e em geral no plano local, essa orientação não tem
condições para ser aplicada. Esta dicotomia de resultados traduz também o enviesamento do
Bloco, como projeto essencialmente parlamentarista virado para o entendimento negocial
com o PS, face aos objetivos de médio prazo de construção de um partido de massas para uma
grande transformação social. Ao eternizar-se, esta trajetória poderá introduzir pressões
desagregadoras muito fortes empurrando o Bloco para a irrelevância.

VIRAGEM À DIREITA, CRISE DA ESQUERDA
A derrota da esquerda nas legislativas não é apenas eleitoral, transitória, recuperável no curto
prazo, é uma confirmação da sua dificuldade em se bater por um projeto de sociedade
socialista para erradicar duradouramente os flagelos do capitalismo. Corolário desta
dificuldade é a concentração da atenção dos partidos de esquerda (incluindo o Bloco de
Esquerda) em respostas de emergência social, abandonando a ideia de transformação política
e de futuro. Esta circunstância é mais uma ilustração das pressões desagregadoras que a
situação política reserva aos partidos com menos implantação e menor capacidade de
resistência face ao refluxo. Contrariar estas pressões exige do Bloco um esforço de reflexão e
de redefinição de objetivos. É para essa tarefa que desafiamos os militantes do Bloco de
Esquerda.

R.A.D.A.R.  - Rede de ativistas para Debate, Ação e Reflexão no combate pelo Socialismo
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