Precisamos de confinar o vírus, não as pessoas | José Manuel Boavida
Temos que deixar de andar a fugir e a escondermo-nos do vírus e começar a correr atrás dele, isolando-o: vacinando e testando massivamente.
A solução não pode ser confinar a
população, terá que passar por confinar as pessoas infectadas, ou seja,
confinar o vírus! Temos que deixar de andar a fugir e a escondermo-nos
do vírus e começar a correr atrás dele, isolando-o: vacinando e testando
massivamente.
Vacinar, vacinar!
As vacinas estão aí e são um instrumento fundamental no controlo da covid-19, mas a sua distribuição é um desafio mundial. Para já, não há vacinas em quantidade suficiente para se imunizar toda a população. Perante essa dificuldade, o Governo deverá reagir e agir com a maior brevidade. Em vez de guardar doses, porque não adiar a segunda toma? De acordo com fontes oficiais do Reino Unido, a vacina da Pfizer já provou reduzir o risco de infeção em cerca de 65% com a primeira toma e a da Astrazeneca parece ser igualmente eficaz mesmo após 12 semanas. A OMS e a Comissão Técnica de Vacinação já afirmaram que, nas circunstâncias excepcionais em que vivemos, a segunda dose pode ser adiada. Estamos a viver uma circunstância excecional e a decisão de atrasar a segunda toma permitiria maximizar o número de pessoas a beneficiarem da vacina, reduzindo perdas de vida e internamentos.
Todas as pessoas saberão
esperar pela sua vez, mas exigem que aqueles que estão em maior risco
sejam devidamente priorizados na vacinação. E aqueles que estão em maior
risco são os mais idosos,
que devem e precisam de ser considerados como a prioridade das
prioridades, devendo neste processo passar as fases da vacinação a ser
definidas por grupos etários numa lógica descendente, como, aliás, já
acontece em muitos outros países. De uma vez por todas devíamos ter uma
ordenação simples, inquestionável e entendida por todos nós: mais de 80
anos, mais de 77, mais de 75... "Mostre o seu bilhete de identidade e
vacine-se!" Simples e claro.
Na actual definição, por exemplo, as pessoas com diabetes representarão 30 a 40% das pessoas no grupo com mais de 50 anos e com co-morbilidades, pois esta percentagem corresponde ao número de pessoas com diabetes que têm, também, uma das condições listadas para essa fase do plano de vacinação: insuficiência cardíaca, doença coronária, insuficiência renal ou doença respiratória crónica. Que confusão... Podia dizer-se o mesmo para outras doenças.
Segundo as previsões
iniciais, Portugal teria direito a receber, até ao final do primeiro
trimestre de 2021, quatro milhões de vacinas. Até agora, foram apenas entregues 500 mil.
O governo português, enquanto Presidência da CE, deveria deitar mão de
outras estratégias possíveis: comprar a vacina de outros países (não
esperar que venham ter com a EMA mas procurar as que oferecem mais
garantias) e conseguir pôr todas as fábricas de vacinas na Europa a
produzir vacinas anti-covid, se necessário tornando as patentes
públicas.
A política de saúde não pode ficar exclusiva dos agentes de saúde, tem de saber envolver e mobilizar toda a comunidade, quer na vacinação, quer no confinamento dos infectados.
Testar, testar!
A testagem massiva
já é possível, não é uma miragem. Enquanto a vacina não chega é a forma
de localizar o vírus. E este caminho ignorado até agora parece estar
finalmente aberto. A própria ministra da Saúde já assumiu esta
estratégia. Testar e testar rápido, apostando no acesso generalizado aos
testes rápidos de antigénio, que são uma ferramenta essencial para
controlar a pandemia. Ao contrário dos testes laboratoriais, os testes
de antigénio podem ser feitos em casa pela própria pessoa, são de fácil
utilização e dão resultados em tempo real, informando essa pessoa se é
contagiosa e, assim, poder tomar medidas para impedir a propagação e
auto isolar-se de acordo com as indicações do SNS24. Só desta forma
conseguiremos identificar precocemente os casos positivos e quebrar as
cadeias de transmissão da infeção, confinando o vírus e não a maioria da
população.
Até à data de hoje, a aplicação dos testes rápidos de antigénio só é permitida nos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, laboratórios, algumas farmácias e, a título excecional, às equipas de saúde pública. Como a história da diabetes e da insulina já comprovou, não há justificação nenhuma para que as pessoas não possam aprender a auto testarem-se. Garanto que é mais difícil estrelar um ovo do que fazer um destes testes. E com que poupança! Pedir às pessoas para serem agentes de saúde pública também é saber dar-lhes confiança, autonomia e capacidade para fazerem parte da solução. As pessoas querem, podem e sabem fazer mais. Não penso que seja necessário pedir a quem de direito que revisite a história dos testes de gravidez ou do diagnóstico do HIV/sida.
A política de saúde não pode ficar exclusiva dos agentes de saúde, tem de saber envolver e mobilizar toda a comunidade, quer na vacinação, quer no confinamento dos infectados (com o óbvio apoio para que o possam cumprir).
Artigo publicado em publico.pt a 12 de fevereiro de 2021
José Manuel Boavida
Dirigente da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP). Membro da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda.
Imagem | Chapman Chow, Unsplash

