Uberização e Micro-trabalho | Rui Curado Silva
O governo do estado da Califórnia ratificou a lei que obriga as plataformas Uber e Lyft a contratar os seus motoristas, retirando-as de um regime de excecionalidade e de concorrência desleal.
Para além do estado de precariedade laboral a que estavam sujeitos, estes trabalhadores eram colocados num regime de parceria, como se cada um deles fosse uma empresa unipessoal, mas que na realidade eram tratados, pressionados e castigados como se fossem de facto assalariados da Uber.
Os ciclistas da Uber são aliciados com bónus de produtividade impossíveis de alcançar se cumprirem em permanência o código da estrada. Recentemente, um ciclista da Uber foi atropelado em França depois de realizar um percurso sem respeitar a sinalização rodoviária.
Justamente nessa mesma semana, dois dos seus colegas de trabalho informaram-no por telefone (uma chamada ficou registada) que deveria ignorar a sinalização se queria ter esperança de conseguir um bónus. Sem os bónus, os ciclistas permanecem num patamar de remuneração que pode ficar abaixo do salário mínimo trabalhando sem pausas e sem férias.
Mas uma nova forma de trabalho que está a alastrar e a agravar a precarização dos trabalhadores: o micro-trabalho.
Por exemplo, a Google recorre à empresa Figure Eight para desenvolver os seus programas de reconhecimento de imagem. Este software baseado na inteligência artificial precisa de humanos para o treinar, indicando-lhe o que é uma casa, uma árvore ou uma pessoa, por exemplo.
Esse treino é feito por trabalhadores isolados nas suas casas que ganham quantias da ordem dos 15 a 30 cêntimos por cada 200 imagens processadas (devem indicar ao software o que está na imagem).
Para isso basta que se inscrevam no portal da Figure Eight em qualquer lugar à volta do mundo. Sem qualquer contrato laboral, sem regalias socias e sem proteção ou segurança no trabalho, estes verdadeiros trabalhadores podem acumular salários que se situam entre os 200€ e os 300€ por mês se reconhecerem imagens durante mais de 8 horas por dia.
Lukas Biewald, o ex-patrão da Figure Eight, chegou a afirmar publicamente que esta forma de recorrer ao trabalho era ideal porque podia exigir o máximo dos trabalhadores, pagando salários de miséria e despedi-los logo a seguir sem ter que os encarar.
Pior, Lukas Biewald não disse que estes trabalhadores explorados estavam a treinar máquinas que lhes vão tirar o trabalho. A eles e a nós.
Originalmente publicado em Lux24
Rui Curado Silva, investigador em Física.

